A relatividade do tempo

Dois gêmeos se encontram depois de setenta anos.
Um vagou pelo cosmos à velocidade da luz, atravessando abismos de estrelas como quem percorre um sonho.
O outro permaneceu na Terra, guardião dos dias, das manhãs iguais e das noites repetidas.
À beira do rio Pactolo1 estavam três sombras.
O Físico falou primeiro, com a voz de quem mede o invisível, invocando a relatividade do tempo:
— O viajante é mais jovem. A luz não apenas ilumina, ela retarda o relógio. O tempo é elástico. Quem seguiu no raio, o cosmos poupou-lhe os anos.
O portenho, sorrindo por detrás de uma névoa de memórias, respondeu:
— Não, o mais novo é o que ficou. Porque o tempo não é um número, mas uma biblioteca.
Cada lembrança é um nascimento. Aquele que se perdeu na velocidade trouxe apenas silêncio, sem nada para esquecer; aquele que permaneceu andou por muitos labirintos, pródigos de bifurcações e delas saía sempre outro.
O grego olhou o rio e murmurou:
— Nenhum é mais jovem. O rio não pergunta a idade das águas. Os dois são o mesmo fluxo, e cada instante é o primeiro e o último.
Os gêmeos se miraram e não mais se achavam gêmeos.
Mas ambos, ao se inclinarem para beber do Pactolo, viram uma face só refletida na corrente, fragmentada em infinitos espelhos.
Porto Velho, agosto de 2025
M. – Liber Sum
NOTA
- Rio Pactolo: pequeno rio da Turquia que flui do Monte Tmolo através das ruínas de Sardes antes de se juntar ao rio Gediz no oeste da Turquia. Famoso desde a antiguidade pelos grandes depósitos de ouro encontrados ao longo do seu curso. Segundo a mitologia grega, o rei Midas lavou-se neste rio para livrar-se da maldição de suas mãos transformarem tudo em ouro, sendo este o motivo da riqueza aurífera do curso d’água. ↩︎
Sobre a relatividade do tempo, leia também o conto do autor: Quinto Flaco, o Selecionador
Sobre Borges e a relatividade do tempo visite: https://rascunho.com.br/colunistas/translato/borges-e-o-tempo/
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